Quer aumentar a produtividade de seus funcionários? Comece incentivando-os a poupar

Por Redação Onze

Já é um ponto pacífico que funcionários estressados que têm uma carga de trabalho além do que são capazes de aguentar e que sofrem cobranças e pressões excessivas acabam tendo uma produtividade menor.

O que muitas empresas ainda não consideram, no entanto, é que o stress pode ter uma outra origem: o funcionário pode estar sofrendo o chamado estresse financeiro, que, segundo a definição dos especialistas em finanças E. Thomas Garman e J. Kim, trata-se de uma avaliação subjetiva da condição financeira individual, incluindo a percepção quanto à própria habilidade de pagar suas despesas, satisfação com a sua saúde financeira, nível de poupança e investimentos, e preocupações com dívidas.

Para mostrar como não se trata de algo novo, uma pesquisa feita em 1996 por Bert H. Jacobson e outros especialistas apontou que o stress no trabalho já custava às empresas americanas mais de US$ 100 bilhões por ano em perda de produtividade, despesas relacionadas à saúde e absenteísmo.

Outra pesquisa que que corrobora esse entendimento é a The Employer’s Guide to Financial Wellbeing 2018-19, feita no Reino Unido com mais de 10 mil funcionários. Segundo o estudo, pessoas endividadas tiveram uma produtividade 15% menor em relação aos demais colegas.

Além disso, outra pesquisa feita nos Estados Unidos em 2017 pela American Psychological Association aponta que, dentre os principais fatores de stress entre os norte-americanos, o dinheiro estava na segunda posição, com 62% dos entrevistados apontando esse fator como uma causa de stress. A questão financeira só apareceu abaixo do “futuro da nação”, mencionada como causa de stress por 63% dos entrevistados.

Apesar do resultado, a situação financeira figura com frequência no topo dos principais motivos que causam stress nos Estados Unidos, sendo que em 2017 houve essa queda para a segunda colocação mais em função da eleição do republicano Donald Trump e as incertezas que isso provocou em boa parte dos americanos.

Isso mostra que, embora a preocupação com o stress relacionado ao trabalho seja justificada (no sentido de excesso de tarefas ou de problemas com o ambiente de trabalho), já que na mesma pesquisa 61% apontaram que sofrem stress por esse motivo, a saúde financeira das pessoas ainda não recebeu a mesma atenção do que outros fatores de stress importantes.

Problemas de saúde que podem ser provocados pelo stress financeiro

Quando os funcionários estão com problemas sérios de endividamento, existe uma probabilidade muito maior que eles desenvolvam problemas de saúde, de acordo com uma pesquisa realizada pela Associated Press em 2008.

Entre os entrevistados que tinham um grande stress financeiro por causa de dívidas, 27% disseram que tinha úlceras ou problemas relacionados ao trato digestivo, enquanto entre pessoas com níveis menores de stress financeiro esse valor chegou a apenas 8%.

O estudo também encontrou uma maior incidência de ansiedade severa entre aqueles com muitas dívidas: 29% dos entrevistados relataram sofrer o distúrbio. Entre os que tinham menores níveis de stress, esse valor foi de apenas 4%.

De acordo com a economista Laura Choi, economista do Federal Reserve Bank de São Francisco, apesar de não ser possível afirmar, com base nesses dados, que o stress financeiro é o único culpado pelas doenças desenvolvidas, essas condições apresentadas são típicas de pessoas com stress crônico.

O corpo humano tende a reagir ao stress com um mecanismo de defesa conhecido como lute-ou-fuja, liberando os hormônios adrenalina e cortisol no organismo. O excesso dessas substâncias no organismo pode causar problemas na pressão arterial, na pressão cardíaca, na memória e na memória, além de poder afetar o sistema imunológico.

Além disso, a expectativa da renda não poder dar conta de todas as despesas mensais e a perspectiva de entrar em um endividamento cada vez maior, não conseguindo pagar os já existentes, podem provocar a sensação de falta de controle, ansiedade e outros problemas emocionais. O stress financeiro também é associado a um maior absenteísmo, menor produtividade e depressão.

Correlação entre stress financeiro e maior absenteísmo no Brasil

Embora não existam pesquisas específicas sobre o nível de stress financeiro entre os brasileiros, há bons motivos para considerar que, por aqui, os resultados não seriam muito diferentes.

Isso é demonstrado, por exemplo, na dissertação de Fabio Tosta Gadelha Souza apresentada em 2017 para a conclusão do curso de mestrado na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vagas. O estudo analisou se existe uma correlação entre stress financeiro, faltas justificadas, faltas abonadas e punições entre os funcionários.

Para tanto, foi considerada uma pesquisa feita em 2012 pelo Centro de Estudos em Finanças da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas com 673 funcionários de 10 empresas brasileiras de diferentes setores de atuação acerca da situação financeira de cada um.

A pesquisa concluiu que há uma relação de causalidade estatisticamente significativa entre o estresse financeiro individual e o comportamento do profissional brasileiro no ambiente de trabalho. Quanto maior o grau de estresse financeiro, maior é a probabilidade de faltas, especialmente aquelas de natureza injustificada.

Não houve, no entanto, relação direta entre um maior nível de punições para aqueles que estavam mais estressados financeiramente, mostrando que o impacto maior se traduz, de fato, na produtividade e na capacidade do funcionário de cumprir as suas obrigações, não necessariamente significando uma mudança de comportamento no ambiente de trabalho no sentido de ser menos respeitoso ou algo similar.

Outro aspecto interessante do estudo citado foi ter concluído que profissionais que contribuem para o plano de previdência corporativo têm menores chances de faltar ao trabalho e/ou de serem punidos.

“Como o investimento em plano de previdência privada denota uma preocupação com a situação financeira futura, pode-se inferir que não só o bem-estar financeiro atual, como também a preocupação com o bem-estar financeiro futuro, são importantes para o comportamento no trabalho e essenciais para o desempenho profissional na sua plenitude”, aponta o autor no estudo.

Trata-se, portanto, de um motivo a mais para que as empresas implementem programas de investimento que incentivem os funcionários a poupar mais, já que o impacto no absenteísmo e, consequentemente, na produtividade, é evidente.

Uma cultura ainda pouco afeita a poupar

Para entender um pouco mais a relação entre stress financeiro e queda de produtividade entre os brasileiros, é necessário levar em conta o hábito de poupar entre os trabalhadores nacionais.

Estudo publicado em setembro de 2019 pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) mostra que 67% dos brasileiros não conseguem guardar nenhuma parte de seus rendimentos mensais.

Grande parte deles (40%), justifica que não conseguem poupar porque a sua renda é muito baixa. No entanto, mesmo entre os estratos superiores, no caso, as classes A e B, o índice de poupadores ainda é bem baixo, de 46%.

Além disso, a aplicação preferida dos brasileiros ainda é a poupança, mesmo sendo notório o rendimento pífio que esse tipo de rendimento proporciona atualmente.

Isso demonstra claramente que existe uma necessidade urgente de ensinar esse grande contingente de pessoas a planejar seu orçamento e a poupar mais dinheiro para que tenham as condições mínimas de superar condições emergenciais e imprevistos financeiros pelo caminho.

De acordo com Gilvan Cândido, professor e coordenador do MBA de Previdência Complementar da Faculdade Getúlio Vargas, com as mudanças nas regras da previdência pública, torna-se mais premente ensinar os funcionários sobre a necessidade de ter um dinheiro garantido no futuro, uma vez que a previdência pública, cada vez mais, irá servir para cobrir apenas o que é mais básico para a sobrevivência do cidadão, tornando-se necessário um plano complementar que exigirá, necessariamente, que os brasileiros adquiram o hábito de poupar mais.

“A reforma da Previdência vai levar as pessoas a receberem menos benefícios do que elas pensam. Essa cultura de que é preciso apenas trabalhar e que no fim das contas vai dar tudo certo não vai se sustentar e vai levar as pessoas a se reeducarem em relação à previdência. Ao Estado irá caber a previdência básica, para que o cidadão não morra. Agora, se você não quer apenas o básico, então é importante que as empresas incentivem os funcionários a poupar mais para ajuda-los”, afirma.

Educação financeira e planejamento

Para aumentar a produtividade nesses casos e ajudar o funcionário a dissipar as suas preocupações com credores, com um financiamento que está pesando no seu orçamento ou outras situações parecidas, é essencial que as empresas ofereçam um incentivo para que o funcionário planeje mais suas finanças e passe a poupar mais.

Apesar de muitos considerarem que a educação financeira é responsabilidade do sistema de ensino, havendo a necessidade de inserir esse tipo de disciplina nos currículos básicos dos estudantes brasileiros, não podemos fechar os olhos para a realidade atual, que é de uma cultura ainda pouco afeita a poupar.

Então, em vez de esperar que o país como um todo reverta essa cultura através de programas que, mesmo se forem implementados no curto prazo, só terão um impacto real e significativo no longo prazo, as empresas que possuem responsabilidade social precisam estar atentas à necessidade de oferecer as ferramentas necessárias para que seus funcionários estejam aptos a planejar de forma minimamente efetiva as suas finanças e a poupar mais, evitando o stress financeiro e a queda na produtividade,

Para alcançar esse objetivo, a primeira ferramenta básica que deve estar disponível na empresa é um programa de educação financeira, apontando como gerir sua renda sem se endividar, as melhores formas de investimento, a importância de não comprometer demais sua renda mensal com compras parceladas e a evitar consumir produtos que estão fora de seu patamar de renda, mas que eventualmente ficam acessíveis por causa de condições especiais oferecidas por lojas que, muitas vezes, acabam por ter uma grande carga de juros atrelada, (como é o caso dos chamados crediários).